O MOVIMENTO HIP HOP: MANIFESTO DE INSATISFAÇÃO SOCIAL DO JOVEM NEGRO
Original publicado na Revista Palmares

Ao ser convidado para a cooperar com a Revista Palmares (Ano 1 - Número 2 - Dezembro 2005 ) escrevendo um artigo sobre o Movimento Hip Hop, indaguei-me sobre a melhor forma de contribuir com informações relevantes para a publicação, o que é difícil, já que vários estudiosos analisaram este conjunto de manifestações político-culturais. Decidi então discorrer a respeito do conhecimento que recebi, exercendo o cargo de editor da revista Agito Geral, publicação surgida em 1995, que dedicou grande espaço para o Hip Hop, fazendo um paralelo com a sua atualidade. A experiência na Agito foi um tempo em que obtive ricos contatos com vários personagens que protagonizaram o auge da visibilidade do movimento, especialmente da manifestação musical, o Rap. Conheci Nelson Triunfo (ao lado), o "guru" do Hip Hop. Viajei com a dupla Thaide e DJ Hum, falei com os Racionais, Rappin Hood, os grafiteiros "Os Gêmeos" e breakers do nível dos "Jabaquara Breakers" ou Marcelinho, e participantes da Posse Hausa, entre muitos outros não tão conhecidos, porém não menos importantes. Inclusive, me desculpem se estiver enganado, Agito Geral foi à primeira revista a trazer a palavra de Elaine Nunes de Andrade - uma mulher negra, vale ressaltar, na época mestre em educação na Universidade de São Paulo-USP, cuja tese de mestrado que a titulou foi justamente o resgate histórico do Hip Hop.
À Elaine, com toda a justiça, credito o que sei sobre este fenômeno cultural e político, a base deste texto. Foi através destes contatos que conheci a história do movimento e consegui entender o porque desta identificação com os jovens negros das periferias urbanas.
O movimento Hip Hop, foi gradativamente se construindo, em um processo iniciado no final dos anos 60 e princípio da década de 70. Quando os elementos de expressão artística foram incorporando-se uns aos outros, eles já tinham caráter contestador. Por exemplo, o Break (a dança), enriqueceu-se com a participação dos jovens de origem hispânica residentes nos EUA, contrários a Guerra do Vietnã. Em suas performances imitavam os helicópteros da guerra e os soldados feridos ou mutilados que voltavam da guerra. Para estes jovens, o Break era uma forma de protesto, que mesmo não modificando as decisões dos políticos, os ajudava a expressar toda a sua contrariedade.
O Grafite não fugiu a regra. Grafitar em letras enormes, fugindo da estética da arte tradicional, era para aqueles jovens dos guetos nova-iorquinos, vivendo em quase total exclusão social, oportunidade de romper padrões e ser diferentes. Desenhar em lugares proibidos; trens do metrô, estabelecimentos comerciais, edifícios públicos, etc, garantiam toda a adrenalina, aventura e agitação que buscavam.
Quanto ao Rap, o mais conhecido dos três elementos artísticos do Hip Hop, retrata através de um discurso ora ofensivo, ora informativo, todo o seu conteúdo contestatório. Ele tem uma história que se difere dos outros dois elementos, o Break e o Grafite. Foi introduzido nos guetos de Nova Iorque por um DJ (abreviação de disc jockey) jamaicano chamado Kool Herc, que impulsionou a criatividade dos jovens dos guetos, especialmente os jovens negros, com os quais ele tinha mais contato justamente por ser negro.
O Rap é uma música de origem negra, faz parte do repertório da “Black Music”. Sua forma de expressão, deriva do hábito de alguns povos da África Ocidental de cantar falando. Alguns deles foram seqüestrados para tornar-se escravos no Caribe, daí a origem jamaicana. Nos Estados Unidos, na época em que lá vigorava a escravidão, os escravos das plantações de algodão, muitos deles “griots”, cantavam falando. No Brasil por volta dos séculos 18 e 19, negros que trabalhavam nas ruas de Salvador, Bahia, faziam um canto falado reclamando da atitude opressiva da política escravista. Havia o puxador (uma espécie de MC) e os outros repetiam o canto em refrão. Daí decorre o estilo repentista da cultura nordestina. Nos EUA a rima se sofisticou, mas sua característica básica foi, e ainda é, uma manifestação de origem do povo negro. No Brasil o Hip Hop chegou no início da década de 80, mais especificamente na cidade de São Paulo. Por intermédio dos bailes voltados para a juventude negra, realizados pelas equipes como Chic Show, por exemplo, dos discos importados vendidos na famosa Galeria 24 de Maio (na verdade Grande Galeria) e do impulso dado por figuras como Nelson Triunfo, Thaide e DJ Hum e os Racionais, entre outros. O período de ascensão do Hip Hop, 15 anos depois, trás ao movimento uma nova dinâmica. Ele encontra-se estruturado socialmente em grupos específicos de estudos e formação política de adeptos da cultura Hip Hop. Desde de 1989 existia o Movimento Hip Hop Organizado - MH2O, que incentivou a criação das “posses”, das quais posso destacar a Posse Hausa, do município de São Bernardo do Campo, que continua ativa e atuante. Ainda na metade da dé- cada de 90, o Hip Hop obteve um patamar de linguagem para chegar aos jovens de periferia, notadamente o jovem negro, e os rappers passaram a ser respeitados como sujeitos políticos em alguns focos educativos, muito pela contribuição do músico Toninho Crespo, que estruturou no município de São Paulo oficinas culturais e de educação, que depois tiveram continuidade com a competência de Sueli Chan (na época importante membro do Movimento Negro Unificado - MNU), na cidade de Diadema, que como São Bernardo, faz parte da Grande São Paulo, região abrangendo várias outras cidades próximas a capital paulista.
Após este relato, para finalizar, penso ser oportuno fazer uma breve comparação dos anos 90, auge da visibilidade do MHH, com os anos 2000. Percebo no MHH um enorme crescimento e uma mudança na abordagem de alguns temas. Quando falo de crescimento cito o surgimento e a solidificação de diversos grupos, ou posses, buscando fazer do movimento e da cultura Hip Hop um exemplo de ação transformadora e promotora de igualdade. Todos eles apresentam como eixo norteador à juventude negra. Isso pode ser a partida para inserção, ou ao menos o interesse, nos partidos políticos e da luta pelo controle da produção da cultura que é protagonizada pelo jovem pobre, em especial o jovem negro. Não podemos esquecer que desde de seu início o Movimento Hip Hop é um movimento considerado uma contra cultura do mundo, um alerta, de reinvidicação, já que é feito por pessoas em situação de exploração. O que explica que mesmo com o passar do tempo, o tema violência se faz presente, porque o tema continua atual. Jovens negras e jovens negros continuam sofrendo vários tipos de violências. Política, políticos e violência ganham um destaque especial na medida que o MHH usa das questões como forma de obter políticas públicas que garantam o direito de viver e não o direito de morrer de forma diferenciada. Exemplo disso foi à modificação da discussão da temática racial nas escolas, muito por influência do Rap na construção da identidade das crianças e jovens que cresceram ouvindo Rap, dançando Break e fazendo Grafite, e na contestação contra as imagens pejorativas produzidas por valores de uma sociedade que tentava, e ainda tenta, deturpar a cultura negra brasileira.

Um grande abraço.
Marco Dipreto.